domingo, 30 de agosto de 2009

AREIA.

Ele voltou, sem mais, sem menos, sem avisar. Quase um ano se passara, e ela o deixou entrar por puro costume. Atendeu a porta vestida de surpresa, sem sapatos, calça velha, camiseta.
Ele entrou, ela ofereceu um chá. Ele achou graça, ela sempre fora de tomar café ou vodka e dizia que chá era como beber água de banheira, mas ele não estava em condições de protestar, aceitou.
Sentaram-se á luz da cozinha, um de frente pro outro e ela notou que ele estava mais magro e mais moreno, deveria estar malhando. Ele notou que ele continuava a pintar as unhas dos pés de vermelho e achou graça ao vê-la descalça, como sempre. Foi um alivio encontrar algo familiar.
Ela contou que parou de comer carne, que se matriculou em um curso de arte e que viu um maravilhoso filme francês. Ele parecia confuso, ela parecia mudada e até o filme Francês parecia agora uma traição.
Ela perguntou se podia colocar música e ele emocionado aceitou, esperou o ar se encher de barulho, ela amava barulho e ele ás vezes dizia que ela era barulhenta demais!
Mas o que veio foi uma música suave, quase de fundo, melódica e doce.
Ele quis contar que tinha se arrependido, que nesse ano fora,nunca imaginou sentir tanta falta dela, da bagunça dela, dos sons dela que enchiam os quartos da casa de vida, de risadas, das gargalhadas, das descobertas, da agitação.
Ele estava cansado de tanta tranqüilidade, ele percebeu que sem ela tudo ficou assim, cor de parede.
Areia.
Ela ouviu e foi como se não tivesse ouvido, falou algo sobre a aula de literatura na faculdade e emendou com uma indicação de um livro que achava que ele ia gostar.
Ele pediu pra usar o banheiro e foi, se escondeu lá para recuperar o fôlego, os perfumes dela estavam lá, a maquiagem também, os cremes, mas nenhum era o que ele tinha dado de presente, eram todos novos, novos cheiros.
Ele perguntou se ela tinha algo mais forte para beber. Ela colocou num copo uma dose de uísque. Uma só e ele bebeu sozinho, ela bebericava chá de hortelã e olhava para ele com atenção, ele ficou incomodado, se sentiu desnudo, ela tinha esse poder, de ler além do que era permitido.
Ela disse que se ele não se incomodasse, gostaria de dormir cedo, amanhã iria viajar para Europa, passar quinze dias.
- Aonde exatamente? Ele perguntou
–Não sei ainda, aonde o vento me levar. (Típico dela, notou magoado!)
Ouvia ao fundo o relógio da cozinha bater, minutos que marcavam o silêncio.
Se levantou para ir embora, ela não pediu para ele ficar, foi gentil e o acompanhou até o elevador.
Ele num último ato, ainda tentou: -Sinto muito sua falta.
Ela sorriu e desejou boa noite.
Ele apertou o botão térreo e teve uma imensa vontade de chorar.
Ela entrou em casa e fechou a porta, colocou no copo uma dose dupla de uísque, mudou o som para algo mais pesado, acendeu um cigarro.
Olhou a cidade da janela e se prometeu: -Não choro mais aqui nesse lugar. Amanhã, se eu tiver que chorar vai ser em Paris.

Existem amores impossíveis de salvar.
bjos K.

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